quinta-feira, 31 de julho de 2014

Arroz e Feijão

Criolo, Preto, Azul ou Roxo, tanto faz, contanto que fosse entre essas opções. Tinha certeza de ter fotofobia, o branco me irrita as vistas. Aos quatorze descobri que branco engorda, decidi não arriscar, pretinho básico não tem erro. Mas e agora aos trinta, não posso casar de preto. Provo um vestido branco, e gosto, não gosto de gostar, mas gosto.

Nunca liguei para minha reputação, mas vão achar que bati com a cabeça se eu entrar de branco. Ficarei gorda e terei que jogar fora todos os outros vestidos escolhidos a dedo, alguns até costurados a mão. Porém, aquele vestido branco me caiu como uma luva, outro não servirá.

Vamos comprar um labrador em agosto. Feijão, esse é seu nome. Colocarei um porta-retrato dele com as crianças ao lado da cama, assim ele não ficará triste por dormir no quintal. E eu não ficarei triste por as crianças não gostarem da minha comida. Que importa, eu tenho arroz e feijão, o simples sempre será o mais saboroso.

Vou tirar o vestido para andar de bicicleta. Alguém me ensinou que azul-marinho é a cor mais linda. Aproveitarei para pedalar a noite, preciso aprender sobre as estrelas para parecer interessante. Não posso esquecer os pães. Só eu sou apaixonada pelo meu arroz e feijão. Ainda bem.

Ganhei um livro de receita de sardinha, minha memória vive me deixando na mão. Semana que vem é nosso aniversário. Ao menos eu inventei assim. Vou comemorar todos os dias para ninguém perceber que esquecemos.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Cravo Doce

Ele acredita em astros, talvez se eu fingir que acredito poderei decifra-lo. Não são os astros, é ciência, lua minguante a maré abaixa. Hora de aprender a nadar, talvez eu até arrisque umas cambalhotas, e quando a maré voltar a subir irei até a ponta da areia fazer castelos e esperar ela acalmar.

Se Tritão fosse meu rei, não precisaria dos castelos de areia, e nem teria medo da maré. Será que se eu também fosse peixe deixaria de sentir a brisa? Será que quando deixamos de ser crianças paramos de falar “e se?” Ou será o contrário?

Quando eu for grande vou comprar uma bicicleta azul e pedalar até ficar criança. Depois vou colocar uma rede larga na varanda e pintar o muro de cinza sol, assim não fará mais diferença quando os dias forem nublados, afinal, eu terei um muro e uma rede larga.

A brisa está quente, acho que vou correr até São Francisco, ouvi dizer que lá os cravos são azuis, do azul mais doce que pode existir. Vou plantar uma dúzia, para nunca acabarem. Inventarei uma sobremesa azul para um domingo à tarde, e lhe darei o nome de cravo doce, assim não precisarei mais correr tanto.

Vou colocar um poema no bolso e leva-lo para onde eu for. Nem cravos são tão saborosos quanto esse sorriso. Não posso deixar meu Alzheimer levá-lo. Implantei um despertador novo, cheio de alarmes, preciso ir.

domingo, 27 de julho de 2014

Um Novo Fim Foi Escrito

Pra quem cresceu ouvindo Eduardo e Mônica, não existem amores impossíveis, e assim era ela, intensa. Já ele era sereno, acreditava em astros e em jogos de xadrez, e que tudo tem um fim.

Alguns finais a vida escolhe. Outros o tempo determina. Ela achava que “Como Cães e Gatos” era o filme que os definia, mesmo nunca tendo assistido. Mas como se tivessem sido inspirados por “Cidade dos Anjos”, eles eram incompatíveis.

E como um anjo que pula de cabeça ela descobriu o amor quando pode sentir seu cheiro pela primeira vez. E descobriu a dor do amor quando chorou por ele pela última vez. Nenhum dos sentidos será igual, olfato, tato, paladar, audição e visão, todos foram aguçados após esse encontro. Seja pelo que foi vivido, seja pelo que foi sonhado, ou seja pelo que nunca será vivido.

Não se pode viver em vão. E não podem dois corpos se fundirem sem que algo seja transmitido. E depois desse instante ela é intensa-serena, e torce para que vice-versa seja verdadeiro.

A vida muda todos os dias, cada dia é uma nova vida, e cada mudança nos modifica também. Ninguém precisa parar de respirar nem dentro e nem fora de nós. E deixemos o adeus para os clássicos do cinema. Nos utilizemos do aconchego do até logo. São dois caminhos diferentes, mas ela míope, mal pode pegar o ônibus sem encolher os olhos, que dirá conhecer o fim da estrada.

Daqui cinco anos ele tocará no casamento dela, ou ela será professora do filho dele. O destino sempre nos surpreende. Ou talvez eles se encontrem em uma próxima vida, compatíveis. E novamente um novo fim seria escrito.

Adeus de Rodoviária

Assisti nos mais belos romances, personagens descerem do trem e voltarem correndo para um último abraço. Mas não era esse o caso, o trem já havia partido, ele precisaria pegar outro trem voltando simplesmente porque ela não havia dado seu adeus. E isso, isso, eu não havia visto nem nos mais tristes filmes.

Tanto a ser dito, e nada faria diferença. Não havia outro tempo, somente aquele instante. Não havia mais espaço para nenhum porquê, para nenhum pensamento que não fosse...

Abraçaram-se. E se deram conta que seria a última vez que seus corpos estariam colados. Mãos enlaçadas em seus corpos, transformando-os em um. A respiração ganhou o mesmo compasso. Sabia que não encontraria aquela essência em prateleiras, aquele cheiro era sinal do adeus. Então lábios que nunca fizeram questão de um encontro, como que atraídos se procuraram. E quando todas as constelações se alinham, como abrir os braços?

“52 Maneiras de Dizer Adeus” seria o mais vendido pelo New York Times se alguém fosse capaz de escrevê-lo. E seria uma catástrofe. Fabricas de sorvete seriam fechadas. Dying Now não seria escrita. E amar seria um verbo sem conjugação.

Ontem choveu no meu quarto. E hoje os anjos cantavam enquanto eu secava o carpete com o secador. Quando terminar de secar vou plantar cravos brancos e receber a primavera.