Sem recordações, o que fica de nós?

Eu vou esquecer como nos conhecemos, vou esquecer as vezes que te admirei e porque gostei de ti. Eu vou esquecer seus gostos, suas manias, os presentes que trocamos e os momentos vividos. Eu vou esquecer as canções, os bares, os passeios e absolutamente todos os locais que estivemos. Esquecerei sua gargalhada, sua fala, seu abraço, seu corpo e seus movimentos.

Você contará lembranças óbvias e eu sorrirei constrangida não podendo completar seus comentários, por não saber do que se trata. Por vezes silenciarei fingindo entendimento para que você não note e cogite que não há significado.

Mas você se sentirá desvalorizado. E eu gastarei a minha vida tentando compensar isso. Ainda que eu não tenha controle, te pedirei perdão por cada evento importante negligenciado. Esperarei ansiosa pela reconciliação, sem ter muita certeza do tamanho do que construímos.

Lamentarei não saber nada sobre você e nossa trajetória.
Eu nem sei sua sobremesa favorita! E não me diga agora! Nós sabemos que eu não memorizaria. Eu já esqueci.
Choro de saudade sem ciência do quê. Sou como um coração de doador, que se conecta a pessoas e coisas, sem compreender de onde vem essa atração.

Será? É a pergunta que mais se repete em mim. Será que já estivemos aqui? Será que passamos por isso outras vezes? Será que ele está lembrado que eu não lembro? Não quero iniciar esse assunto novamente. Novamente? Será que eu já contei sobre minha memória? Será?

Eu não lembro se já caminhamos de mãos dadas, nem nossas refeições juntos e não lembro quais pessoas da sua vida eu conheço. Eu não lembro como você me chama e nem sei se temos ou já tivemos um apelido carinhoso. Eu não sei se já fizemos planos alguma vez ou se nossa história é vazia como minha mente.

Eu queria um álbum de papel. Nossa cronologia: com fotos, frases, embalagens de bombons e cartões fidelidade. Eu queria que você levasse a sério criarmos uma metodologia para eu não perder tudo que vivemos (quanto risco estamos assumindo aqui?). Eu quero um filme que conte nossa história. Um livro de cabeceira que eu possa folhear quando tiver dúvidas. Eu preciso me sentir segura de quem somos.

Sem motivo, sem porquê, sem fonte, sem base, sem referência, sem nada e ainda que não haja razão alguma para eu entender, eu te amarei. Será um sentimento completo dentro de mim. Me encantarei com seu sorriso inédito todo dia. O primeiro encontro se repetirá para mim a cada noite. Tornei-me seu porto entre as caminhadas.

Trilha: Turu Turu - Sandy & Junior

Beijo

Domingos de Morais com o Largo Dona Ana Rosa, estávamos no “até qualquer hora” quando o inesperado nos interrompeu. Foi ali, no dia e lugar menos provável, como um vento derrubando o castelo de cartas, uma fileira de dominós caindo, um sopro e checkmate! Fim da partida: o beijo aconteceu¹.

Eu estava a 27 passos de uma nova jornada, eu era inteira ali, e deveria ser inteira quando chegasse do outro lado, mas aquele beijo me partiu ao meio. Minha razão e parte do meu coração atravessaram a rua e foram ao encontro do seu novo destino. A outra parte, o meu desejo, ficou naquela calçada, fragmentando cada milésimo e repetindo o beijo como um filme sendo rebobinado e assistido inúmeras vezes.

Salgueiro chorão com lágrimas escorrendo
Porque você chora e fica gemendo
Será porque ele lhe deixou um dia
Será porque ficar aqui, não mais podia?²

O amei, o beijo. Não sei o porquê. E isso me esvaziou e me preencheu como um suspiro, como quem se afoga e recupera o fôlego, e não sabe se agradece pela vida ou pelo susto. De certeza, apenas que marcou.

– 3 anos e 8 meses depois... checkmate novamente.

Chegadas e partidas, hoje noto que é assim que com ou sem intenção – novamente não sei – temperamos nossa relação. Essa necessidade incomum do Amor de Longo Alcance³. E diferente das experiências anteriores, agora meu pensamento é: “nada disso importa”. Porque seu beijo não perdeu o encanto, não perdeu o sabor, somente o valor.

¹ Música Hoje a Noite Não Tem Luar na voz de Renato Russo

² Filme Meu Primeiro Amor

³ Conto da Marina Colasanti