domingo, 14 de junho de 2020

Imperfeito

Na contramão de tudo que sonhamos, desenhamos, idealizamos: a vida se apresenta. Sendo tão distante do desejado, duvidamos da capacidade de tornar-se grande. Baixamos a guarda, confiantes de que será fraco, morno e passageiro. Nos surpreendemos com nosso encanto pelo oposto.

Tenho incontáveis frases prontas, com características im-pres-cin-dí-veis, descarta-las me parecia aceitar menos do que mereço e não algo além da minha prévia imaginação. Me convencer ser feliz sem a listinha acima, me desnuda, é abrir mão de uma casa que eu construí sozinha e recomeçar, com novos parâmetros, uma flexibilidade que não estava no escopo.

Quando emoções novas surgem, não sei catalogá-las, ficam todas misturadas me confundindo, não sei o que isso é. Terei de chamar de “isso”. Um profundo d’isso que me faz completa, me esvazia do mundo, reinicia o tempo e me enche de nós. Me cobre de plenitude e felicidade instantânea.

Um verão apoderador, me derrete, tornando-me moldável como argila úmida, pronta para mãos que não a despedace. Entregue, em meu estado mais raro: maleável. Largo por completo os ombros rígidos e a superioridade. Desfruto, me lambuzo, mergulho em um orgasmo de poder, não o derivado de poderoso, mas de me permitir. Me presentear com a liberdade de ser sorriso, largo, solto e natural.

Andrew¹ teve duzentos anos para aprender a ter emoções e sentidos. Eu tenho o agora. E tinha esquecido como é adorável sentir. Algo no meu histórico me condicionou que o custo não valia o benefício. Sou mestre em enganar a mim mesma. Os choros são recompensados por tudo isso. E isso é vida, talvez uma das melhores partes que eu teimo ignorar.


Trilha: Circle Of Life - The Lion King
¹ Filme O Homem Bicentenário

sábado, 13 de junho de 2020

Medo

As convenções têm um porquê, não segui-las é uma tentativa sagitariana de atravessar a ponte sem corda: grave risco. Vali-me da sorte que sempre me faz companhia; não integralmente dessa vez. Agora, presente, estamos eu e a culpa. Com quem vou gritar? A quem xingarei? A culpa me engasga, me rasga. Nossa língua diz que o oposto de culpa é desculpa; sem reparação, sem confissão, se em um déjà vu eu não faria diferente, que desculpa buscar?

Não, não é culpa que me afoga, é o absento do controle. A desonra em ter quebrado meu código de conduta. Minha imperfeição crescente, exposta e vulnerável. Onde chegarei errando e rezando para que a sorte me absolva e me traga resultados que não mereço colher. Até quando deixarei os remos soltos e o barco à deriva, sendo aquela que espera uma solução favorável que não há.

Enlouqueci. E foram segundos incríveis. Viajei em uma órbita juvenil de paixão, onde tudo é palpável, basta querer. É preciso comprometer-se para permanecer mais do que aqueles segundos. O relógio desperta, e somos puxados para a sanidade do mundo. A vida cobra seu preço.

Quanto vale a felicidade? Não pode custar a paz. Minha consciência me questiona sobre minha atual definição de ética, derivação do meu caráter. Perdi o remo de pontas. Preciso nadar e salvar-me deste oceano sem margem à vista. Não devo permanecer parada, me afogarei se ficar.

Hoje não é sobre despedida e amor, é sobre se reconhecer e se aceitar assim. Meus finais demonstravam coragem e força. Eram medo, ainda é. Desconfortável reconhecer, mas não sei conduzir por outra rota além da evasão, eu não sei seguir, não sei dar passos. Era medo, ainda é.


Trilha: Deixa Tudo Como Tá - Thiaguinho