quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Existe amor em SP

Ei! Pare 48 segundos e repare essa foto.
O que você enxerga?
Prédio atrás de prédio em uma cidade correndo na verticalização. Ouve o barulho do trânsito, sente o cheiro ocre da poluição, do céu cinza cimento mesmo nos dias de céu azul.
Não existe amor em SP.

Pare novamente. Não conte os segundos. Respire nessa foto.
Que histórias você vê?
Na lateral, de camisa verde, vejo Pedro, a sacola na mão é um presente, um fichário novo para a mãe usar amanhã, será o primeiro dia de aula de Dona Joana na faculdade. Fará Pedagogia, com apoio dos três filhos.
Naquele prédio detrás, em construção, Seu João conversa com os empreiteiros jovens, formados, repassando ensinamentos que a faculdade não ensina. Os rapazes gravam vídeos das dicas de Seu João. Eita, vai ficar famoso!

No prédio da frente, Marcelina chora sentada no chão da sacada. Perdeu o emprego. O marido pediu o divórcio. Ela só vê céu cinza cimento mesmo que seja dia de céu azul.
Ela ainda não sabe, mas nessa mesma tarde de janeiro, daqui um ano, ela estará sentada na sacada em crise de riso, comentando com o Pedro, seu novo namorado, como a arquitetura dessa cidade é linda. Veja essas árvores! Parece um pé de jaca. Será?
E Pedro contará a ela, apontando com o dedo indicador, que aquele prédio ali detrás tem mãos de seu pai, Seu João. E o que parecerá uma engraçada coincidência, é a vida acontecendo na sua versão mais bela, aquela que escolheu o seu olhar.
Existe amor em SP.

domingo, 14 de janeiro de 2024

18 horas e 34 minutos

Ele tem lábios rosados, sorriso doce, que encolhe os olhos quando ri. Se fico a menos de um metro de seu rosto, posso ouvir sua boca silenciosa dizer “me beija”. Ele não diz, mas eu escuto. E respondo também silenciosamente “eu quero”. Ele entende a resposta quando balanço de um lado para o outro meu cabelo e, me beija.

Me beija, me toca a face com sua face, suas mãos deslizam pelo meu pescoço e cabelo; nesse instante uma explosão intergaláctica acontece, diversos astros perdidos em orbita se encontram, há um alinhamento estelar. É mágico, há uma aurora boreal em nós.

Eu o abraço, igual aqueles abraços do “Chegadas e Partidas” quando alguém querido regressa de uma longa viagem. Um abraço que sente, sente cada parte da pele que toca, sente os braços entrelaçados como em uma dança de forró. Um abraço que tem cheiro de alma e sabor de melodia.

Coincidimos por 18 horas e 34 minutos. E depois a terra voltou a girar. O sol nasceu, a vida correu. Mas eles sabem, essa manhã tem outro gosto, paladar de quem provou de uma sobremesa gostosa, de receita desconhecida, e rara de esbarrar. Um doce que deixa energia no corpo, e quem nos vê não pode entender de onde vem tanta luz.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Faixa preta

Ele é forte, mestre de luta, eu nunca liguei para essas coisas, e ainda não ligo, mas é impossível não ficar impactada com sua estrutura monumental. Deitada e ele em pé a minha frente, posso apreciar cada pedaço, pedaços suados de pura perfeição em movimento. Ele é mestre mesmo em ato sexual, quando nos conhecemos ele já era faixa preta nesta modalidade, mas incrivelmente está sempre melhor, tal qual um professor que não para de aprender. 

Nossos sexos são como celebrações, despertam uma festa em meu ser. Ele conduz, eu apenas aplaudo e agradeço. Vou embora com aquele sorriso gostoso que dura o dia todo. Fazendo replays na minha mente e sozinha durante a noite na minha cama. E penso: que sortuda! Provei do melhor, e pude repetir e repetir... Ganhei na mega do prazer.

Prazer! Ele deita sobre minha carne exposta, me penetra, ajeita meu cabelo com firmeza e carinho, tirando-o de cima da minha orelha e rosto, para que o espaço esteja livre e ele possa lamber, morder e chupar, deixando-me louca, um dos melhores tipos de loucura... o da cama! Seus beijos me tiram e me devolvem a vida, um afogamento e salvação simultâneos. Fico vulnerável, me entrego, como alguém de olhos vendados confiando no seu condutor. 

Todas as minhas dúvidas sobre minhas curvas, minha libido, são respondidas com desejo e tesão cada vez que ele gira meu corpo de posição, me toca e volta a estar dentro de mim. Ao final, sinto seu pau pulsar enquanto goza, e assim como no encerramento de um belo espetáculo de dança, as cortinas fecham, e os gritos do público pedindo mais, são as inas (endorfina, serotonina, dopamina e ocitocina) querendo bis! Eu quero bis!

sábado, 1 de julho de 2023

Ser amada

Queria ser amada. Amada mesmo, igual nos filmes de comédia romântica, ou aquele casal que conhecemos, e nunca somos nós. Queria aquele amor de adolescente, amor dedicado, que fica pensando em formas de fazer o outro feliz, amor que envia cartão postal com bilhete apaixonado atrás, que faz surpresa com o simples, e com uma caixa de bis nasce um montão de emoções.

Queria a ilusão do para sempre, do amor de outras vidas, da sensação de ter encontrado a pessoa feita para você e vice-versa. Queria sonhar. E ouvir "Eu te amo" todos os dias, sem economia, como fazíamos na juventude. Queria aliança de compromisso, com ursinho de coração e cartinha escrita à mão, com direito a desenho colorido. Queria caderno de perguntas respondido, para saber cada detalhe do meu grande amor.

É louco que os relacionamentos da adolescência tinham mais estabilidade e compromisso do que os da vida adulta, tão voláteis e frágeis. Falta amor. Fiz 38, e percebi que acabaram minhas fichas de amar e ser amada. Eu estou cansada demais (vejam meu texto anterior) para as desilusões. Tudo que eu posso oferecer para mim mesma é uma vida robótica, e uma busca por paz.

Bolo de fubá

A vida é uma sequência de sobe e desce, com algumas linhas retas lá embaixo, e ocasionalmente lá em cima. Vivo cansada, esse desce é para atletas, atletas emocionais. Eu tenho problemas cardíacos desde minha concepção, não aguenta um peido diria a atual geração.

Estou velha. Quero paz e chá quentinho. Nem gosto de chá, só da paz que lhe acompanha. Estou velha e ranzinza. Gosto de silêncio e ficar em casa. Estou tão tão velha, que já passei até da fase yoga e plantinhas. Invejo as senhorinhas jogando bingo as quartas-feiras na garagem aqui da rua. Queria jogar no bingo e viver o prazer de ganhar um bolo de fubá. Eita! Isso sim seria felicidade para mim.

Eu sou uma tonta, vivo em círculo, me abro, me dedico, me decepciono, e juro para mim mesma nunca mais me abrir. Passa seis meses, um ano, e cá estou eu de novo jurando nunca mais me abrir. Não é à toa que estou cansada.

Preciso de chá e paz quentinha. Daquela que parece uma manta quente no inverno e te faz esquecer que lá fora está frio. O inverno está infernal esse ano. Estou sempre vivendo a espera da primavera ou verão seguinte. Fugir do hoje tem sido minha tentativa. Hoje está ruim. Amanhã terão flores.

Amanhã também estará ruim, será um ruim com flores, ao menos poderei sentir o sol secar minhas lágrimas ao resmungar como estou velha, cansada e ranzinza. Dona Anesia poderia tranquilamente ser inspirada no meu humor.

Nada faz sentido. E eu tenho que ser forte. Saco!

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Professor e Aprendiz

Se ele colocasse uma caixinha na rede social pedindo as pessoas para o definir, responderiam: santista, Pagode da 27, esquerdista; os mais próximos escreveriam: fotografia, poesia... E todas essas respostas estarão certas, mas estão apenas na primeira camada, aquela que os olhos veem.

Se pedir para ele se definir, no meio da sua fala estará: "sou uma bagunça".

Seu capricórnio o faz querer perfeição. E obviamente não alcançando, crítico consigo, define como bagunça o que o torna mais humano. Não humano de solidário, humano de contrário de linear, de bagunça como camiseta vestida ao avesso e mochila rasgada.

Com o peito, podemos ver o que não é enxergado e nem dito, o que é sentido com profundidade. Que está no que há sentido para ele. Ele é cor de pôr do sol com arco-íris, cheiro de cara na grama, tato de criança, sabor de ancestralidade. É coragem da cabeça aos pés, de peito aberto, sem medo e sem vergonha. Antagônica a uma timidez quase invisível.

Ele não é flor, ele é florir; ele é jardim, com flores, mato e uma plantação enorme de sorrisos infantis, quase todo sábado a tarde. Artista. Repertório misto, não é cantor, mas tem escuta ativa, que vai de Milton Nascimento a pintura de escada. Pássaro, condor, sem dor, ele é sonho alto, que sonha e faz voar.

É Professor de um bocado de coisa, se perguntado dirá “Geografia, Português e Inglês”. É aluno e professor de amar, e esse verbo praticamos juntos, nas suas diversas conjugações. Ele é aconchego, tipo canção para dormir ou sopa quente trazida especialmente para você. Ele é indefinível em sua imensidão. Em essência, é sua busca incessante por se compreender e aprender sem fim.

Sua biografia só não é maior que sua teimosia e seu coração.

Trilha: Milton Nascimento

Pedaço

De quantos pedaços somos compostos; de quantos inteiros somos feitos? Qual pedaço devo seguir no hoje? Uma parte de mim flutua, beijou o mar, brilhou para o sol, comeu bixcoito globo com areia da praia. Essa parte está feliz demais, sabe que a vida é simples e ser feliz mais ainda. Consegue ouvir a canção com o rádio desligado, porque dentro dela tudo é dança. Combina ela com ela mesma como ninguém. Impulsiva no viver, não no sentir.

Outra parte, parece o sol cinza e gelado de São Paulo. Gosta de refletir, e pensa em demasia. Matuta sobre todas as possibilidades e cenários, tenta antecipar passos, calcular reações, controlar resultados. Cansativo e frustrante. A vida está sempre a nos surpreender, para o bem e para o mal, e as vezes não dá para escapar. Aceite. E deixa ir.

Não dá para esperar a primavera para ser feliz. Então bora colocar aquele bobojaco do Mengão, meter o surdo nas costas, e ir ser feliz com toca, luva e o coração bem quentinho. Já que o de lá de cima não aparece muito nessa estação, bora ver sol no rosto a sua frente, a sua direita, a sua esquerda. É lindo encontrar outros sóis. Toma esse café quente comigo, que meu pedaço de hoje acordou para chorar de tanto rir.

É possível ser feliz em éssepe.

Trilha: Obrigado Vida - 3030

terça-feira, 15 de março de 2022

Saudade

Em outros idiomas há o equivalente a “sinto sua falta”, mas não a saudade. Saudade é diferente, é quase indescritível. Um misto de recordar com sentir falta, sem obrigatoriamente querer saciar essa falta. Uma mistura estranha e complexa de tristeza e boas lembranças.

O Renato dizia “saudade é só mágoa por ter sido feito tanto estrago”, é também isso, essa sensação de entrega e fracasso. Esse sentimento que engasga a garganta, e não tem resposta. A vida pode ser injusta, o amor pode ser injusto, já a saudade sempre será.

Você está no silencio das manhãs, na mesa do café com uma caneca só; nos olhares, beijos e amores inexistentes; está nas mensagens e chamadas não recebidas; está nos novos hábitos para preencher os vazios; está aqui mesmo quando não está.

Isso também passa, eu sei que passa. Mas não é hoje, e suspeito que não é amanhã também. Eu ainda estou muito brava comigo mesma para conseguir deixar passar. É preciso se perdoar pelos riscos que assumimos, e que não nos levam a finais felizes.

Dizem que saudade é excesso de passado, ansiedade excesso de futuro, e que precisamos estar no presente. De presente eu queria não sentir saudade, queria lembrar como era quando você não estava aqui e eu era feliz. Queria não sentir.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Boa noite

Hábito, costume, dê o nome que for, qualquer palavra, temos todos uma rotina, e algum apego a ela. Quando essa dinâmica do dia é interrompida, fica a sensação de estarmos em um cruzamento, a internet falha, o waze não atualiza, e não sabemos para que lado virar. O que eu faço agora?

Você não gosta do seu emprego, um dia é demitido, e mesmo assim volta para casa chorando. Porque tem contas a pagar? Não, nesse momento não é isso que te afeta; você pensa como não te valorizaram, como você é descartável. Na manhã seguinte acorda e fala consigo mesmo: com o que preencherei essas horas? Esse vazio é somente teu.

Gosto de me convencer que é apenas hábito, que seu bom dia e boa noite não fazem falta. Nem era tão bom assim, repito para mim, completando: lembre-se do ruim! Engole o choro. Isso também passa.

Faça uma lista de lições aprendidas e siga em frente. Tudo que podemos fazer é não repetir erros; novos erros, os mesmos não. Da próxima vez não cometerei o erro de me apaixonar. A paixão nos traz muito, mas nos tira muito mais. Nos deixa vulnerável, irracional e permissiva/o. Nunca precisei de paixão para ser feliz.

Dessa vez não pode durar anos para passar, eu não tenho mais aquela saúde e disposição da juventude, terá que ser rápido. Piscou, passou! Vou para a rua pular carnaval nem que seja na base do choro. Se não podemos parar de trabalhar para chorar, não dá para parar de festar para chorar também. Se tiver que ser beijo com sofrência, assim será!

Viverei as oportunidades do hoje, sem planos para o futuro, não sei qual será meu querer amanhã. Hoje, eu quero sorrir, quero ser feliz, e quero não lembrar como era quando você estava aqui. Eu era feliz antes de você, eu sou feliz sem você, é que parece que faz tanto tempo que eu não vivo essa velha rotina, que preciso reaprender como preencher, me reinventar e ser feliz sem amor.

Eu não preciso de você; mas eu ainda queria (falar no passado é uma forma de anular o querer). Eu quero mais ainda não te querer.

Trilha: Já Pensou – Fabio Brazza

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Acordei

Quando eu ainda nem sabia o que era, você me pegou pela mão e transbordou, igual café na caneca quando a gente se distrai. Que puta sorte eu tive. Era apenas uma menina-mulher sem nenhum destino e você me levou para ver as montanhas, e eu me assustei tanto com a vista, que saltei.

Senti o vento e gritei, bem alto. Não alto o suficiente para me escutar. Esse aprendizado demorei anos para idealizar. E bem pouquinho, ainda vivo na dúvida se o som alto vem de dentro ou da rua. Mas viajo observadora, vai que eu tenho sorte de novo.

Dizem que Thomas fez mais de mil tentativas antes de inventar a luz; quem sou eu para querer encontrar o que nos brilha em duas ou três tentativas? Não é fingir que os enganos não cansam, é acreditar no pote no fim do arco-íris, é sobre se deixar esperançar.

Novamente minha memória me levou embora, me deixou esquecer que o sorriso é meu lugar favorito, e que ele tem trilha sonora, com voz, violão e lençóis. Quando um novo azul mar surgir, não estarei de olhos fechados. Acordei, e não quero dormir mais!

Trilha: Alucinação - Belchior