sexta-feira, 20 de maio de 2022

Professor e Aprendiz

Se ele colocasse uma caixinha na rede social pedindo as pessoas para o definir, responderiam: santista, Pagode da 27, esquerdista; os mais próximos escreveriam: fotografia, poesia... E todas essas respostas estarão certas, mas estão apenas na primeira camada, aquela que os olhos veem.

Se pedir para ele se definir, no meio da sua fala estará: "sou uma bagunça".

Seu capricórnio o faz querer perfeição. E obviamente não alcançando, crítico consigo, define como bagunça o que o torna mais humano. Não humano de solidário, humano de contrário de linear, de bagunça como camiseta vestida ao avesso e mochila rasgada.

Com o peito, podemos ver o que não é enxergado e nem dito, o que é sentido com profundidade. Que está no que há sentido para ele. Ele é cor de pôr do sol com arco-íris, cheiro de cara na grama, tato de criança, sabor de ancestralidade. É coragem da cabeça aos pés, de peito aberto, sem medo e sem vergonha. Antagônica a uma timidez quase invisível.

Ele não é flor, ele é florir; ele é jardim, com flores, mato e uma plantação enorme de sorrisos infantis, quase todo sábado a tarde. Artista. Repertório misto, não é cantor, mas tem escuta ativa, que vai de Milton Nascimento a pintura de escada. Pássaro, condor, sem dor, ele é sonho alto, que sonha e faz voar.

É Professor de um bocado de coisa, se perguntado dirá “Geografia, Português e Inglês”. É aluno e professor de amar, e esse verbo praticamos juntos, nas suas diversas conjugações. Ele é aconchego, tipo canção para dormir ou sopa quente trazida especialmente para você. Ele é indefinível em sua imensidão. Em essência, é sua busca incessante por se compreender e aprender sem fim.

Sua biografia só não é maior que sua teimosia e seu coração.

Trilha: Milton Nascimento

Pedaço

De quantos pedaços somos compostos; de quantos inteiros somos feitos? Qual pedaço devo seguir no hoje? Uma parte de mim flutua, beijou o mar, brilhou para o sol, comeu bixcoito globo com areia da praia. Essa parte está feliz demais, sabe que a vida é simples e ser feliz mais ainda. Consegue ouvir a canção com o rádio desligado, porque dentro dela tudo é dança. Combina ela com ela mesma como ninguém. Impulsiva no viver, não no sentir.

Outra parte, parece o sol cinza e gelado de São Paulo. Gosta de refletir, e pensa em demasia. Matuta sobre todas as possibilidades e cenários, tenta antecipar passos, calcular reações, controlar resultados. Cansativo e frustrante. A vida está sempre a nos surpreender, para o bem e para o mal, e as vezes não dá para escapar. Aceite. E deixa ir.

Não dá para esperar a primavera para ser feliz. Então bora colocar aquele bobojaco do Mengão, meter o surdo nas costas, e ir ser feliz com toca, luva e o coração bem quentinho. Já que o de lá de cima não aparece muito nessa estação, bora ver sol no rosto a sua frente, a sua direita, a sua esquerda. É lindo encontrar outros sóis. Toma esse café quente comigo, que meu pedaço de hoje acordou para chorar de tanto rir.

É possível ser feliz em éssepe.

Trilha: Obrigado Vida - 3030

terça-feira, 15 de março de 2022

Saudade

Em outros idiomas há o equivalente a “sinto sua falta”, mas não a saudade. Saudade é diferente, é quase indescritível. Um misto de recordar com sentir falta, sem obrigatoriamente querer saciar essa falta. Uma mistura estranha e complexa de tristeza e boas lembranças.

O Renato dizia “saudade é só mágoa por ter sido feito tanto estrago”, é também isso, essa sensação de entrega e fracasso. Esse sentimento que engasga a garganta, e não tem resposta. A vida pode ser injusta, o amor pode ser injusto, já a saudade sempre será.

Você está no silencio das manhãs, na mesa do café com uma caneca só; nos olhares, beijos e amores inexistentes; está nas mensagens e chamadas não recebidas; está nos novos hábitos para preencher os vazios; está aqui mesmo quando não está.

Isso também passa, eu sei que passa. Mas não é hoje, e suspeito que não é amanhã também. Eu ainda estou muito brava comigo mesma para conseguir deixar passar. É preciso se perdoar pelos riscos que assumimos, e que não nos levam a finais felizes.

Dizem que saudade é excesso de passado, ansiedade excesso de futuro, e que precisamos estar no presente. De presente eu queria não sentir saudade, queria lembrar como era quando você não estava aqui e eu era feliz. Queria não sentir.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Boa noite

Hábito, costume, dê o nome que for, qualquer palavra, temos todos uma rotina, e algum apego a ela. Quando essa dinâmica do dia é interrompida, fica a sensação de estarmos em um cruzamento, a internet falha, o waze não atualiza, e não sabemos para que lado virar. O que eu faço agora?

Você não gosta do seu emprego, um dia é demitido, e mesmo assim volta para casa chorando. Porque tem contas a pagar? Não, nesse momento não é isso que te afeta; você pensa como não te valorizaram, como você é descartável. Na manhã seguinte acorda e fala consigo mesmo: com o que preencherei essas horas? Esse vazio é somente teu.

Gosto de me convencer que é apenas hábito, que seu bom dia e boa noite não fazem falta. Nem era tão bom assim, repito para mim, completando: lembre-se do ruim! Engole o choro. Isso também passa.

Faça uma lista de lições aprendidas e siga em frente. Tudo que podemos fazer é não repetir erros; novos erros, os mesmos não. Da próxima vez não cometerei o erro de me apaixonar. A paixão nos traz muito, mas nos tira muito mais. Nos deixa vulnerável, irracional e permissiva/o. Nunca precisei de paixão para ser feliz.

Dessa vez não pode durar anos para passar, eu não tenho mais aquela saúde e disposição da juventude, terá que ser rápido. Piscou, passou! Vou para a rua pular carnaval nem que seja na base do choro. Se não podemos parar de trabalhar para chorar, não dá para parar de festar para chorar também. Se tiver que ser beijo com sofrência, assim será!

Viverei as oportunidades do hoje, sem planos para o futuro, não sei qual será meu querer amanhã. Hoje, eu quero sorrir, quero ser feliz, e quero não lembrar como era quando você estava aqui. Eu era feliz antes de você, eu sou feliz sem você, é que parece que faz tanto tempo que eu não vivo essa velha rotina, que preciso reaprender como preencher, me reinventar e ser feliz sem amor.

Eu não preciso de você; mas eu ainda queria (falar no passado é uma forma de anular o querer). Eu quero mais ainda não te querer.

Trilha: Já Pensou – Fabio Brazza

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Acordei

Quando eu ainda nem sabia o que era, você me pegou pela mão e transbordou, igual café na caneca quando a gente se distrai. Que puta sorte eu tive. Era apenas uma menina-mulher sem nenhum destino e você me levou para ver as montanhas, e eu me assustei tanto com a vista, que saltei.

Senti o vento e gritei, bem alto. Não alto o suficiente para me escutar. Esse aprendizado demorei anos para idealizar. E bem pouquinho, ainda vivo na dúvida se o som alto vem de dentro ou da rua. Mas viajo observadora, vai que eu tenho sorte de novo.

Dizem que Thomas fez mais de mil tentativas antes de inventar a luz; quem sou eu para querer encontrar o que nos brilha em duas ou três tentativas? Não é fingir que os enganos não cansam, é acreditar no pote no fim do arco-íris, é sobre se deixar esperançar.

Novamente minha memória me levou embora, me deixou esquecer que o sorriso é meu lugar favorito, e que ele tem trilha sonora, com voz, violão e lençóis. Quando um novo azul mar surgir, não estarei de olhos fechados. Acordei, e não quero dormir mais!

Trilha: Alucinação - Belchior