De um lado uma represa, aves, árvores e o pôr do sol. Do outro, barulho de moto, caminhão, poluição e um grande trânsito. No meio, três metros de largura para estar. No início o som da moto vence, embarco e o canto do pássaro me chama. São Paulo, anunciando seus paradoxos, uma cidade antagônica, geminiana. Neste lugar é minha terapia. Caminho, corro, pergunto, escuto, reflito, respondo, respiro. Imagino.
Jogo tal qual as orientações do Randall¹: "Dizemos Pior Cenário e então nossos maiores medos sobre a pior maneira como nossas vidas poderiam ser". Continuo com o jogo do Kevin² "Bom-ruim-péssimo", e imagino minhas reações a cada cenário, um roteiro completo dos futuros episódios da minha vida.
Escrevo roteiros em minha mente, sonhos que se apagam como as mandalas de areia feitas e destruídas pelos monges. Faz parte da terapia. Ao término da caminhada há esperança, e as possibilidades não assustam (tanto) como na partida. Posso lidar com o mundo, com as pessoas... posso lidar comigo? Tornei-me imprevisível para mim. Quem está gerindo? Quem sou agora?
"Está tudo bem" é a frase que repito a qualquer sinal de conflito. Tornou-se vício de linguagem. A segunda lei da espiritualidade ensinada na Índia diz: "Aconteceu a única coisa que poderia ter acontecido". Não é conformismo, é paz. Paro de me indignar com o que passou. A vida tem que seguir, e segue, mesmo que eu me chaveie. Embora óbvio, preciso repetir: o presente é o único tempo que tenho; seja gentil com ele.
Na fila para pagar o pão, uma mão forte me deu um empurrão pelas costas, metaforicamente, essa é a sensação que estou. Não escolhi viver esse agudo processo de mutações internas e externas. Eu que gosto tanto de mudanças me perdi, perdi o controle e congelei. No presente, tenho tido dias perseverantes de sol e provando sabores deslembrados. Meu paladar mudou também. Estou aprendendo a me aconchegar nesse quente sol de inverno.
¹ This Is Us S4E02 Pior Cenário
² This Is Us S5E14 Bom-ruim-péssimo